O avanço da Inteligência Artificial no Jornalismo

Um olhar a partir da pesquisa Generating Change: A global survey of what news organisations are doing with artificial intelligence

No cenário em constante evolução do jornalismo, a tecnologia continua a desempenhar um papel vital na maneira como as notícias são coletadas, produzidas e distribuídas. Na quarta-feira (20), a equipe JournalismAI, liderada pelo professor Charles Beckett, diretor da Polis, London School of Economics (LSE), lançou os resultados de uma pesquisa global que analisou como as organizações jornalísticas em todo o mundo estão integrando a Inteligência Artificial (IA) em seus fluxos de trabalho. Intitulado Generating Change: A global survey of what news organisations are doing with artificial intelligence, o estudo marca o retorno de uma pesquisa realizada cinco anos após a primeira edição em 2019.

Dado que se trata de um tema da minha pesquisa em andamento no doutorado, gostaria de salientar algumas (poucas) questões e fazer breves comentários.

Gerando Mudanças: Uma pesquisa global sobre o que as organizações de notícias estão fazendo com a Inteligência Artificial (Generating Change: A global survey of what news organisations are doing with artificial intelligence)

O estudo, que abrange mais de 90 páginas, envolveu 105 organizações em 46 países, oferecendo uma visão abrangente de como a IA está moldando o jornalismo atual. Disponível em inglês e espanhol, este rico trabalho de pesquisa é uma fonte de insights para o setor jornalístico. A pesquisa completa está disponível nesse link: https://www.journalismai.info/research/2023-generating-change

A IA como terceira onda de mudança tecnológica

Conforme indicado pelo estudo, em uma perspectiva mais ampla, podemos considerar a Inteligência Artificial como uma terceira onda de transformação tecnológica no jornalismo. Os pesquisadores explicam que a primeira onda foi marcada pela ascensão da Internet, a digitalização de ferramentas e a transição para dispositivos móveis. A segunda onda foi impulsionada pela chegada das redes sociais, que impactaram a criação de conteúdo, o consumo e a concorrência. As plataformas tecnológicas desempenharam um papel crucial na infraestrutura jornalística, enquanto os ‘usuários’ se tornaram peças-chave na sua disseminação. Esse é ponto interessante de reflexão, pois não é apenas tecnologia, mas também os usos e as apropriações. Ainda de acordo com os resultados da pesquisa, agora, a IA emerge como uma terceira onda, transformando a maneira como as notícias são produzidas e entregues. A IA automatiza processos, aprimora a exatidão na verificação de informações e contribui para a criação de conteúdo envolvente. Essa revolução tecnológica está redefinindo o jornalismo, apresentando desafios inovadores e oportunidades para narrar histórias de forma mais eficaz e impactante.

Impacto nas funções e habilidades

Algumas redações relatam que a integração da IA deu origem a novas funções relacionadas em várias áreas, como análise de dados. No evento de divulgação dos resultados do estudo, observei repetidamente membros da plateia se identificando como profissionais tanto do jornalismo quanto da ciência de dados, ou algo similar. Está claro que o Big Data está aí e o jornalismo precisa se apropriar cada vez mais dele.

Voltando aos pontos do estudo, é importante ressaltar que muitas organizações destacaram que a incorporação da IA está transformando as funções existentes dentro da organização, através da formação e do aprimoramento de conhecimentos em IA, bem como o desenvolvimento de habilidades específicas, como análise de dados e engenharia de prompts, em vez de criar funções completamente novas. Confesso que fiquei um pouco intrigada com esse ponto, pois não sei se isso seria exatamente um reflexo do contexto brasileiro. Posso estar errada, mas sabemos que não se trata apenas de técnica, há questões culturais e econômicas dentro das próprias organizações. E não quero dizer que o relatório está errado, longe disso! Mas é algo que podemos levar em consideração, visto que o próprio estudo ressalta, que há, de uma maneira geral, nuances da relação norte e sul global nesse tema. Uma dessas nuances é a de que essas tecnologias mostram melhores resultados no norte global e que há uma espécie de perpetuação da colonização (algo bastante debatido por autores como Eric Sadín em Silicolonisation du monde (La): Irrésistible expansion du libéralisme numérique (L’), e em outros trabalhos como os do Evgeny Morozov.

O estudo aponta ainda que alguns já começaram a desenvolver capacidades de engenharia de prompts, e isso não se limita apenas ao departamento de TI. Em consonância com essas respostas, não é surpreendente que os critérios de contratação nas redações estejam mudando, como mencionou um dos entrevistados na página 31 do relatório.

“Acredito que o impacto tem sido mais percebido na hora de considerar quem contratar e quem não contratar. Vamos precisar de menos redatores assim que a IA for implementada”.

Essas mudanças nas funções e nas habilidades refletem a adaptação necessária das redações para enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades apresentadas pela IA no jornalismo. Essa perspectiva me lembra um artigo de autoria dos pesquisadores Daniel Trielli e Nicholas Diakopoulos How Journalists Can Systematically Critique Algorithms (2020) em que eles tratam da necessidade de jornalistas compreenderem os inputs/outputs utilizados nas redações. Uma questão prática: como garantir que o resultado fornecido por aquele algoritmo ou sistema de Inteligência Artificial está correto? Isso também tem a ver com transparência nos processos editorais. Talvez, falamos de jornalistas com visão mais crítica em relação aos algoritmos que são utilizados nos processos de produção e ao mesmo tempo novas funções. No meu entendimento (nesse momento), baseada em outras leituras, naturalmente, quem domina o prompt, domina a ferramenta. E o prompt também é utilizado para gerar e/ou aprimorar códigos de programação. Por isso, é necessário um monitoramento, ou visão crítica, do desenvolvimento e aplicação de ferramentas, e é nesse ponto que talvez seja necessário um(a) curador(a) de algoritmos. Esse é um tema para tratarmos em outro post!

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